DAVI – O MENINO QUIETO

Um dia, há muitos anos, quando eu trabalhava como psicólogo em uma instituição para crianças, um adolescente apareceu na sala de espera.

Eu fui até lá onde ele estava andando agitado de um lado para outro.

Eu mostrei o meu consultório e apontei a cadeira do outro lado de minha mesa.

Era uma tarde de outono e o arbusto lá fora tinha perdido todas suas folhas.
- Sente-se por favor, eu disse.

Davi usava uma capa preta de chuva abotoado até o pescoço.

Seu rosto era pálido, o olhar fixo em seus pés e as mãos pressionadas nervosamente.

Tinha perdido seu pai quando criança e tinha vivido com sua mãe e seu avô desde então.

Mas no ano que Davi completaria 13 anos, seu avô morreu e sua mãe foi morta em um acidente de trânsito. Agora, com 14 anos e sem o cuidado da família.

Seu professor tinha me consultado. "Este menino", escreveu, "está compreensivelmente muito triste e deprimido.

Ele se recusa a falar com os outros garotos e eu estou muito preocupado com ele. Você pode ajudar de alguma forma?"

Eu olhei para Davi. Como eu poderia lhe ajudar?

Há tragédias humanas que a para a qual a psicologia não tem respostas e nenhuma palavra pode descrever.

Às vezes a melhor coisa que se pode fazer é escutar aberta e simpaticamente.

Nas primeiras duas vezes que nos encontramos, Davi não pronunciou uma só palavra.

Sentou-se arqueado para cima e só observava os desenhos das crianças na parede atrás de mim.

Quando ele estava a ponto de partir depois da segunda visita, eu coloquei minha mão sobre seu ombro.

Ele não se virou e sequer me olhou.
- Volte na próxima semana, se você quiser, eu disse.

Hesitei um pouco e completei:
- Eu sei que dói.
 

Ele veio, e eu sugeri que jogássemos xadrez.

Ele concordou acenando com a cabeça. Jogamos xadrez por toda a tarde da quarta-feira, em completo silêncio e sem estabelecer qualquer contato através do olhar.

Não é fácil trapacear no xadrez, mas eu fiz com que Davi ganhasse algumas vezes.

Normalmente, ele chegava mais cedo do que o combinado, pegava o tabuleiro e as peças do xadrez e montava antes que eu tivesse a chance de me sentar.

Parecia que apreciava minha companhia.

Mas por que nunca me olhou?
"Talvez necessite apenas de alguém para compartilhar de sua dor" pensei.

"Talvez perceba que eu respeito seu sofrimento".

Algum tempo depois, Davi já retirava sua capa de chuva e colocava sobre o encosto da cadeira.

Quando montava as peças do xadrez seu rosto parecia-me mais vivo e seus movimentos mais animados.

Certos meses mais tarde, quando já florescia lá fora, eu observava Davi, quando de repente, ele olhou para mim e disse:
- É sua vez.

Depois desse dia Davi começou a falar. Criou amigos na escola e associou-se à um clube de bicicleta. Escreveu-me algumas vezes ("eu pedalo com alguns amigos e eu me sinto bem"); escrevia sobre como tentaria entrar na universidade.

Depois, as cartas pararam. Tinha começado agora viver sua própria vida.

Talvez eu tenha dado algo à Davi.

Talvez.

Mas eu aprendi muito dele. 


Eu aprendi como o tempo torna possível superar o que parece ser uma dor insuperável. 


Eu aprendi a estar disponível para as pessoas que precisem de mim.

E  Davi mostrou-me como - sem dizer qualquer palavra - estender a mão para outra pessoa.


Tudo isto exige um abraço, um ombro para chorar, um toque amigo, um jeito simpático e um ouvido que escute.

Tom Crabtree
Tradução: Sergio Barros

Não permita que alguém saia da sua presença sem se sentir mais feliz, alegre e satisfeito do que quando chegou.  (Tadeu Comerlatto)

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