O PODER DA INVEJA



Inveja significa ódio pela prosperidade ou alegria de outra pessoa, além de também ser definida como o desejo de possuir alguma coisa que o outro tem. Essa é a definição do Dicionário Michaelis. Mas há uma ainda mais incisiva, dada pelo jornalista Zuenir Ventura, autor do livro Inveja – O Mal Secreto, que compara o ciúme, a cobiça e a inveja: “Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha”.
Sentimento delicado, pouco assumido, a inveja também pode ser percebida dentro da igreja. Mas será que todos confessam que a sentem? É possível lutar e tratar esse sentimento? 
Enfoque conversou com especialistas de comportamento, líderes na igreja e pessoas variadas a fim de trazer maior entendimento sobre um assunto tão rotineiro e apresentar caminhos de cura para aqueles que lutam contra essa tendência.

COMEÇOU COM LÚCIFER
“Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva!... Tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono... subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo” (Isaías 14:12-14). Na visão cristã, esta passagem se refere a Lúcifer, querubim que se rebelou por inveja. E, contaminado por este sentimento, teria convencido outros anjos a se posicionarem contra Deus. Estes, então, teriam sido expulsos do céu.
Biblicamente, a queda do homem no Éden foi influenciada por esse anjo mau, que passou a não mais ser chamado de Lúcifer (que significa luz), mas Satanás (adversário). Após esse episódio, o pecado entrou na raça humana e, com ele, os frutos da carne, relatados em Gálatas 5:19-21 (prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, competição, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices e glutonarias). Esses frutos deram ao homem a maldade do coração de Satanás. Daí, o homem ser capaz de cometer tantas atrocidades e ofensas a Deus.

A palavra inveja aparece 39 vezes na Bíblia. O primeiro invejoso foi Caim, filho de Adão e Eva. Em Gênesis 4:8, ele e Abel ofereceram ofertas a Deus, tendo Ele se agradado mais da oferta de Abel, o que acabou provocando a ira de Caim. O jovem não conseguiu dominar sua inveja e matou seu irmão. Esta passagem, juntamente com Mateus 15:19, onde Jesus Cristo diz que os maus desígnios procedem do coração, fornecem base bíblica para crer que a inveja é inerente ao coração humano. O desafio, então, é tratá-la e dominá-la para que não se torne um inimigo.

O QUE É A INVEJA?
Osmar Ludovico, pastor e mentor espiritual, pensa que a inveja é um sentimento, cujo ponto de partida é bom porque começa com a admiração por alguém. Mas afirma: “Começa a nos fazer mal quando nos comparamos com aquela pessoa e começamos a nos inferiorizar. O desdobramento é a maledicência e o desejar mal.
É o caso do fã que mata seu ídolo, depois que passa a ter um desejo de destruí-lo.” Ludovico, que dirige cursos de espiritualidade, revisão de vida e pastoreio de pastores e missionários, explica que toda a dinâmica do pecado já está no coração do homem. “Em algum momento da vida, acabamos escolhendo um pecado favorito. E isso escraviza. É difícil admitir tal coisa porque as pessoas admiram aquilo que também querem destruir. E a única forma de experimentar a libertação é a confissão”.
Esse sentimento destruidor pode ser comparado ao preconceito, analisa Josué Campanhã, diretor do Serviço para Evangelização da América Latina (SEPAL). “A inveja é silenciosa como o preconceito. Todo mundo diz que não é, mas as atitudes denunciam o pecado”. Ele alerta que ninguém consegue esconder sua inveja por muito tempo. “Conseguimos identificar um invejoso pelo olhar e por algumas palavras”.
De acordo com Campanhã, que também é pastor, há diversas causas para a inveja, como influência familiar e do ambiente de trabalho, e falha de caráter.
Na opinião de Georgiana Guinle, empresária que também trabalha no ministério de intercessão da Igreja Bola de Neve, no Rio de Janeiro, podem existir demônios influenciando uma pessoa a sentir inveja. “Estava lendo um livro da Neuza Itioka, em que ela diz que existe um principado demoníaco chamado Damian, que gera inveja nas pessoas. A inveja é a força motriz de todo pecado, por ter sido a causadora da queda de Satanás”.
Colocar a culpa no diabo pode não ser a forma mais prática de lidar com problemas. Aliás, projetar para o mundo invisível situações nas quais, muitas vezes, o homem é o real culpado, é sempre mais fácil. “O caminho menos trabalhoso seria espiritualizar a inveja e amarrar os demônios. Demônios podem até influenciar, mas sentir inveja também está na nossa natureza pecaminosa”, completa Campanhã.

À LUZ DA PSICOLOGIA
Apesar de a inveja ser identificada por evangélicos mais como pecado do que como doença, a Psicologia explica que há um tipo de inveja que pode ser patológico. A psicóloga Elizabeth Bifano acredita que a inveja patológica é diagnosticada quando uma pessoa faz qualquer coisa para ter o que o outro tem ou quer, passando por cima de valores, ideais, amizades e até da família.
Marluce Nery, também psicóloga, afirma que a inveja surge para compensar faltas e carências, e sua raiz está na formação do indivíduo. “A inveja é o desgosto diante da prosperidade alheia.

Na opinião do sociólogo Alexandre Brasil, a contribuição do cristianismo é a compreensão de que poder não é ter, nem alcançar bens e posições, mas servir
A pessoa só consegue focar o outro, não consegue enxergar o que ela própria tem de valor”.
A especialista contou que há casos em que a mãe faz um enxoval igual ao da filha, que vai se casar, apenas para ter as mesmas coisas. É o absurdo da inveja nos laços familiares.
Mariana Santiago, jornalista de 24 anos, viveu uma experiência desse tipo. Seu ex-namorado, também jornalista, já era um profissional requisitado e bem-sucedido, quando a jovem ainda estava na faculdade. “Eu me sentia muito mal porque, apesar de gostar dele, eu o invejava pelo seu sucesso. Acabava competindo com ele”, confessou. Mariana disse ainda que isso foi um fator que contribuiu para o fim do relacionamento. Atualmente, namorando outra pessoa, ela tem consciência de tudo o que aconteceu e procura melhorar.
A orientação do pastor Ludovico para se livrar da inveja é o desenvolvimento da virtude oposta à ela: o contentamento. “Devemos buscar uma alegria genuína de ser quem somos sem precisar fazer comparações com os outros. Pois, sem comparação, não há razão para a inveja”, diz. O conselho de Elizabeth Bifano é que vale a pena dar um toque na pessoa invejosa, sinalizar sobre suas atitudes. “É complicado porque nem sempre o indivíduo admite. Mas quando se passa dos limites, ele deve ser confrontado e até encaminhado a um profissional para fazer um tratamento através de terapia. Infelizmente, tudo isso é difícil porque o outro não quer enxergar seu sentimento”, arremata.

INVEJA NO TRABALHO


No ambiente profissional, a concorrência se acirra, a cada vaga e oportunidade que se abre, o que coloca à prova a capacidade de cada um de rejeitar ou abrigar a inveja. Recentemente, os jornais contaram a história da estagiária que matou uma colega de trabalho e deixou outra gravemente ferida para recuperar uma vaga na Petrobrás, em São Paulo.
Na opinião do conferencista em Vendas e Motivação, Paulo Angelim, todos vão se espelhar em alguém para crescer. É preciso olhar para pessoas que são referenciais em suas áreas de atividade e que alcançam resultados extraordinários. Mas não se deve imitá-las. “Esse seria um grande erro. Você tem o seu próprio jeito de fazer as coisas, e pode usar as técnicas e ferramentas que os melhores usam, não precisando mudar quem você é, nem seus valores”, alerta.
Para descobrir se o que se sente é admiração ou inveja, Angelim, que também é presbítero, diz que quando se olha para alguém com inveja, perde-se uma grande chance de aprender com essa pessoa, uma vez que acontece um bloqueio para enxergar nos exemplos dela caminhos para o próprio crescimento. “Você se concentra em encontrar deficiências que nem a mãe do indivíduo conseguiu enxergar. Mas é a admiração que permite que você consiga perceber ensinamentos nas conquistas e caminhos que o outro trilhou, nas técnicas que usou”. Angelim ressalta que a inveja impede alguém de desenvolver essa capacidade porque é preciso ter humildade.

INVEJA NA CASA DE DEUS?
Um dos lugares onde se imagina que a inveja nunca conseguirá entrar é a igreja, tida como lugar de santos, incorruptíveis e irrepreensíveis. Mas esse é o objetivo e não o motivo de se estar ali. Para um novo convertido, é difícil imaginar que podem existir pessoas que preguem e até fundem igrejas motivadas pela inveja. Em Filipenses 1:15, o apóstolo Paulo fala sobre o assunto: “Alguns, efetivamente, proclamam a Cristo por inveja e porfia, outros, porém, fazem de boa vontade”.
Para Ludovico, o fato de muitas pessoas dentro da igreja serem o centro das atenções faz com que a inveja seja um pecado comum. “De modo geral, a igreja não lida com essas dimensões mais profundas do caráter do ser humano. O único pecado que a igreja lida é o sexual. O pecado dentro da igreja é travestido de uma atitude piedosa e religiosa”, opina.
Mais problemática ainda se torna a situação quando a inveja atinge o púlpito, quando líderes disputam entre si, invejando os ministérios uns dos outros. Ludovico acredita que estes precisam ser pastoreados em suas emoções. Além disso, ele acredita que a solidão em que vive a maioria dos pastores, sem amigos e sem confessores, propicia a queda.
Campanhã alerta que o diabo tem suas estratégias para seduzir o líder ao orgulho e inveja. “Os líderes serão tentados como Paulo e Barnabé. Mas eles não aceitaram ser adorados como deuses. Diante da bajulação e exaltação do líder, ele tem três possibilidades: aceitar, rejeitar ou silenciar”. Segundo o pastor, o que mais acontece hoje é a escolha pelo silêncio, um concordar sutil, que no fundo demonstra que o que se quer é mostrar que se tem poder. Mas é preciso entender que toda manifestação no ministério vem do poder de Deus.
Uma das áreas mais propensas à inveja na igreja é a do louvor, já que abrange pessoas em evidência, vozes fenomenais, grandes talentos. Para falar sobre o assunto, Enfoque ouviu um líder com 32 anos de ministério de música, pastor Adhemar de Campos: “A verdadeira origem da inveja é o inferno, já que a primeira rebelião partiu de Lúcifer. A inveja é um dos frutos da carne e faz parte da natureza pecaminosa com a qual todo ser humano nasce”. Ou seja, existe uma herança diabólica e também carnal no ser humano.
Mas o ministro de louvor também lembra, com alegria, que na cruz Jesus equacionou o problema. “O texto de Gálatas 5:24 diz que os que são de Cristo crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências. Então, se estou em Cristo, não vejo possibilidade de viver escravizado pelas obras da carne, como a inveja. Se tenho a natureza de Deus em mim, tenho de amar o próximo. Quem ama, não compete, não critica e não busca seus próprios interesses”, ensina o líder.

A INFLUÊNCIA DA INVEJA NA SOCIEDADE
Eclesiastes 4:4 afirma que todo trabalho e destreza em obras provém da inveja do homem contra seu próximo. Será que se pode entender que a modernidade, as descobertas e toda evolução tecnológica e científica são motivadas pela inveja? Para falar do assunto, Enfoque conversou com Alexandre Brasil, sociólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ele acredita que pelo fato de a inveja ser algo subjetivo, é difícil pensar nesta questão pelo viés sociológico. “O que existe de forma recorrente nas relações sociais é a disputa. As pessoas e organizações, geralmente, almejam ocupar as posições de outrem e, dentro da dinâmica social, vive-se na busca de se estar no centro, de se assumir espaços já ocupados”. Para Brasil, nossa sociedade vive numa constante relação de trocas, competições e iniciativas que visam ao acúmulo de diferentes capitais que colocam os indivíduos em situações de destaque.
Quanto ao texto de Eclesiastes 4:4, o estudioso diz que a passagem fala de uma realidade que não devia acontecer e que é fruto do distanciamento do homem em relação à vontade de Deus. “Uma interessante e rica contribuição do cristianismo neste tópico é a inversão da compreensão do poder. Poder não é ter, não é alcançar bens e posições. Poder é serviço. Nesse contexto, não há sentido em termos inveja. Diante desta compreensão, a Igreja poderia trazer uma grande contribuição ao mundo se seguisse de fato o melhor ensinamento.

TRATANDO A INVEJA NA INFÂNCIA
Imagine duas crianças brincando com bonecas. Uma delas arranca a boneca das mãos da outra dizendo: “Quero essa!”. Na mente da criança, ela tem todo o direito de tomar o que é do outro. Normalmente, ela até esquece do próprio brinquedo, que pode ser mais interessante que o almejado. Isso quer dizer que a criança já sente inveja? Por que, normalmente, ela quer o que é do outro?
A pedagoga Elisa Pandino Peixoto diz que “há uma fase em que a criança se sente o centro do universo. Os pais têm de compreender esse período de forma cautelosa”. Ela afirma que será vivendo em sociedade que os pequenos aprenderão a dividir. “A Bíblia manda instruir o menino no caminho em que deve andar. É preciso lidar com isso com cuidado. Não basta dizer: você tem de se contentar com o que tem! É melhor ensinar a criança de forma amorosa, orientando-a a lidar com sentimentos negativos, como a inveja. Esse papel é, principalmente, dos pais, mas a igreja e a escola também contribuem para a socialização”, ensina.
Matéria: Ariane Azeredo

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